Parque Estadual dos Três Picos
Nova Friburgo (Salinas) - RJ
Introdução
No feriado de Tiradentes de 2016, formamos uma bela turma de escaladores mineiros (17 ao todo) e partimos para o abrigo do lendário Sérgio Tartari, localizado ao pés dos Três Picos, no distrito de Salinas-RJ.
Turma quase completa, reunida com o Sergio Tartari. |
A região é um dos principais pólos de escalada tradicional do Brasil. Oferece centenas de vias clássicas variando de 150 a mais 700 metros, num granito de muita qualidade. Além da escalada, o parque estadual oferece vários outros atrativos como trilhas e cachoeiras. O local é perfeito para passar uma boa temporada, pois, além das inúmeras vias, o ambiente dos abrigos de escaladores é sensacional, com direito a cerveja artesanal e rodizio de pizza, além do visual sem igual. Não há sinal de celular e a imersão no mundo de aventuras e curtição é total.
Um dos vários visuais incríveis da região |
Nesse feriado, fui desfalcado da minha linda parceira de climb - Tamires Vargas - a qual teve que trabalhar; no entanto, numa turma tão grande como a nossa, não faltaram oportunidades de parcerias incríveis para aventuras memoráveis nesse lugar mágico. Ao longo do feriado tive a oportunidade de escalar duas vias clássicas da região: Sólidas Ilusões no Capacete, e a via Sol Celeste, no Pontão do Sol (pico secundário anexo ao pico maior). Foram duas empreitadas fantasticas, as quais serão descritas no detalhe logo abaixo.
ESCALADA NO CAPACETE
Via Sólidas Ilusões - 450mts - D3 5º V (A0/VI+) E3
Para minha primeira escalada em Salinas, me juntei ao bonde do Cae, Breno e Coxinha e formamos duas cordadas. Estudando o guia, de autoria do próprio Sergio Tartari, optamos por escalar a via Sólidas Ilusões. A descrição era bem chamativa: "excelente escalada, variada e constante. É uma das mais bonitas escaladas do Capacete". Confirmamos que esta afirmação não mentia em nada! Não é uma rota tão famosa como a CERJ, provavelmente devido a maior exposição e a necessidade das proteções móveis, no entanto, quem teve a oportunidade de escalar as duas, disse ser a Sólidas Ilusões consideravelmente mais interessante.
O guia do Tartari é a referência básica pra qualquer escalador que queira se aventurar pelos Três Picos e região.
O guia do Tartari é a referência básica pra qualquer escalador que queira se aventurar pelos Três Picos e região.
O material necessário para uma cordada fazer a Solidas ilusões é uma corda de 60 (rapelando depois pela Rodolfo Chermont ou Sergio Jacob), 10 a 12 costuras e um jogo de friends (nuts também são úteis).
Preparamos as mochilas e o rango de pedra na noite anterior, acordamos às 5:30 e logo partimos para o climb. Em feriados é importante acordar bem cedo para evitar congestionamentos de escaladores nas vias, principalmente se o objetivo for a Face Leste ou a CERJ, as quais são muito frequentadas.
Do abrigo do Tartari, seguimos de carro por cerca de 15 minutos até o abrigo do Mascarim, ponto mais próximo possível de se chegar de carro. A partir de lá, seguimos caminhando para dentro do parque. A trilha não é muito pesada. Gasta-se cerca 40 minutos até a base da via. A saída da trilha principal para entrar no costão de aproximação não é óbiva, deve-se passar cerca de 200 metros da entrada da CERJ (a qual é sinalizada por placa) e então entrar por uma clareira na mata a esquerda, onde apesar do mato alto, é possível ver uma abertura por entre a mata fechada. Após um pequeno trecho andando no mato pouco marcado a trilha volta a ficar levemente batida.
Momento onde deve-se abandonar a trilha principal e seguir em direção à base da pedra para iniciar a via Sólidas Ilusões. |
A trilha chega na base da via Roberta Groba, a partir daí, segue para a esquerda uns 50 metros beirando a base e chega-se à base da Sólidas ilusões. No meio desses 50 metros tem uma clareira só pra confundir. É bem obvio a visualização das duas fendas paralelas indicadas no croqui, não tem como errar.
A primeira enfiada é bem bacana, com proteções móveis no início e fixas no final. A exposição desta, e das demais, é característica de um E3 de Salinas. Isto é difícil de traduzir em palavras... mas seria algo do tipo: Escale sem se preocupar com grampos. A segunda enfiada é relativamente tranquila, e bem curta (cerca de 25 metros), porém, é bem diagonal, logo, qualquer tentativa de emendar enfiadas vai gerar bastante arraste na corda.
A terceira enfiada é mais complicada. É bem exposta até a primeira proteção, e segue por dois diedros com fenda numa escala incrível. Para entrar no primeiro diedro, o beta é encarar o pequeno trapa mato à esquerda, mesmo com o formigueiro. Quem guiava esta parte era o Cae, o qual preferiu contornar o trepa mato e acabou entrando numa liseba roubada. Este diedro não deve ser seguido até o final, o beta é virar pra cima dele abandonando a fenda logo na metade, onde há uns agarrões os quais chamam você para cima do diedro. Ao entrar na segunda fenda deve-se segui-la até o final, sendo que, na metade, onde há uma fratura no traçado, há um estreitamento que se torna o crux, principalmente pra quem tem dedos grossos. Essa enfiada é muito interessante.
Cae guiando a 3ª enfiada, uma das mais complicadas da via |
Cae e Breno seguindo pela 4ª enfiada, guiada pelo Coxinha e por mim. |
Cae e Breno seguindo pela 6ª enfiada. |
A nona enfiada é parecida com a terceira. Um longo diedro com fenda, bem vertical. Novamente deve-se abandonar a fenda onde os agarras te chamam pra fora da fenda. É uma virada de bolder V0 bem legal.
A ultima enfiada é o clássico rampão 3º grau com um grampo solitário, onde é só seguir o instinto e correr pro abraço, tentendo para a esquerda e chamando a galera "na francesa".
Para rapelar, o ideal é atravessar o maciço na direção do pico maior, seguindo os pequenos totens que indicam o topo da via Sergio Jacob (a Rodolfo Chermont é outra opção logo ao lado). Ali é possível rapelar de várias formas pois há paradas de 25 em 25 metros.
A empreitada como um todo, desde tirar o pé do chão na base e retornar à terra firme, durou 9 horas. Onde mais demoramos foi na terceira enfiada, devido a dúvida com relação ao traçado da via. Além disso, nosso grupo não apresentou um desenvolvimento rápido em linhas gerais. Apesar do tempo longo, o clima foi de total curtição num belo dia de sol entre nuvens perfeito pra escalada. A via é maravilhosa e bem variada: lances de fenda, aderência, regletes e diedros. Pouquíssimo trepa mato e um padrão de dificuldade bem constante. Recomendo a todos sem ressalvas!
A trilha de acesso é praticamente a mesma da famosa Face Leste. A diferença é que faltando uns 10 metros para a base da Leste, deve-se continuar direto pela trilha sem entrar no bambuzal de acesso ao Pico Maior, cerca de 100 metros a frente, o percurso torna-se uma escalaminhada em direção ao platô principal da base do Pontão do Sol, o qual é sinalizado no guia.
Quando passei pelos lances, agradeci mil vezes por ter me livrado do perrengue de guiar esta segunda enfiada!
O Breno pegou a ponta da corda na 3ª parte, a qual mostrou ser a mais tranquila de toda a via: escalada constante com bastante agarras e algumas proteções móveis no início.
A 4ª enfiada era minha vez de guiar novamente. A cordada carioca, a qual nos ultrapassou após P2, aparentava dificuldades nessa passagem. Isto me deixou bastante apreensivo, pois, nos lances difíceis de P1 e P2 eles haviam passado batido. Quando o guia fez a parada eu perguntei o que ele tinha a dizer sobre os lances. A resposta foi uma resmungada junto com: "é só vir com atenção"... uma clássica resposta evasiva, de toda forma, não havia muito a fazer por mim.
Comecei essa guiada bastante tenso, mas logo a parede ficou tão vertical e os lances tão delicados, que não me restou outra alternativa que ficar o mais calmo e frio possível. Foi uma escalada incrível, fui ganhando cada vez mais confiança a medida que vencia lances complicados. A escalada era bem variada, com oposições em lacas e proteções móveis; regletes minúsculos e até mesmo uma viradinha dum negativo leve após a última proteção antes da parada. Quando fiz a ancoragem abri um sorriso enorme e o sangue enfim correu leve. Infelizmente, não há registros fotográficos sobre esse momento.
Ao fim da 4ª parte, a cordada dos cariocas alegou cansaço e rapelaram rumo a base. A partir daí, seguimos somente os 3 rumo ao cume.
Logo após meu perrengue, foi a vez do Breno pegar uma enfiada complicada, fechando assim a cota de uma roubada por cabeça. A 5ª enfiada foi a mais interessante de nossa escalada. Praticamente toda em móvel numa fenda que se abria pela torre de pedra subindo rumo ao cume, fugindo do diedro de mato que se abria à esquerda. Este esticão era bastante vertical, com uma travessia inicial delicada seguido por lances variados em cristais e fendas os quais renderam muitas emoções mesmo indo de participante.
Chegamos na parada e o Breno estava em êxtase pela experiência de guiar esta parte tão incrível. O Leo pegou a última enfiada. Guiou por um diedro duns 10 metros e depois saiu pela tangente, seguindo pelo mar de agarras que nos levou finalmente até a última parada. Após esta parada, ainda havia uma escaladinha de uns 10 metros para finalmente pisar no famigerado cume. A alegria foi intensa ao alcançar o topo após passar tanto cagaço ao longo do dia. Foram várias emoções inesquecíveis nesse dia perfeito de climb! Valeu Branão e Leo!!
O rapel foi tranquilo ao longo das 6 enfiadas. Depois seguimos em disparada rumo ao carro e ao abrigo, para enfim tomar uma cerva gelada contando e ouvindo os perrengues e aventuras de todos.
Autor do Relato: Gilberto MArtins Assunção Valadares da Silva
ESCALADA NO PONTÃO DO SOL
Via Sol Celeste - 280 mts - D2 5º V+ E3
Para o segundo dia de escalada, entre tempo e contra-tempos, meus planos iniciais de fazer a CERJ foram alterados e acabei juntando-me à cordada do Breno Retes e Leo Santiago, onde o objetivo era fazer a via Sol Celeste, no Pontão do Sol (cume secundário anexado ao Pico Maior). Por sorte minha, no café da manhã encontrei a galera que havia tentado o cume desta via no dia anterior, e me passaram alguns poucos betas, sendo um deles muito valioso: "A segunda enfiada era uma roubada!".
Trilha para a base do Pontão do Sol |
A trilha de acesso é praticamente a mesma da famosa Face Leste. A diferença é que faltando uns 10 metros para a base da Leste, deve-se continuar direto pela trilha sem entrar no bambuzal de acesso ao Pico Maior, cerca de 100 metros a frente, o percurso torna-se uma escalaminhada em direção ao platô principal da base do Pontão do Sol, o qual é sinalizado no guia.
A cerca de 20 metros da base da via nós suspeitamos da escalaminhada íngreme de acesso à base e fizemos um contorno pela esquerda visando alcançar o platô. Esta pequena alteração quase resultou numa tragédia, pois, o Leo e eu, sem percebermos, ficamos sapateando próx imos a uma urutu, a qual só foi percebida pelo Breno que vinha por último na fila.
Passado este susto inicial os outros sustos não demoraram a aparecer. Logo a saída da via já aparentava ser uma roubada exposta e de difícil leitura. O Leo pegou para guiar e após umas tentativas no rumo errado, acabou desistindo. Eu me candidatei de imediato, pois, esse era uma passaporte perfeito para evitar a segunda enfiada. Dei logo uma raça e guiei os lances de aderência bastante expostos, e assim, iniciamos o caminho ao cume.
O ponto branco à frente da corda sou eu, guiando a 1ª enfiada. A distancia da primeira proteção dá uma idéia do que é um E3 de Salinas. |
Logo em seguida apareceu uma dupla de escaladores cariocas veteranos, os quais tinham muito mais informações sobre a via do que nossa cordada. Esse grupo guiou a primeira enfiada sem dificuldades, enquanto isso o Leo guiava o segundo esticão.
Esta segunda parte da via seguia a mesma inclinação do inicio, e logo depois, se tornava bem positiva ao longo de uns 10 metros. Em seguida, a inclinação aumentava e os grampos sumiam juntamente com as agarras. Tudo ficava liso e abaolado.
O Leo ficou totalmente paralisado diante dos lances de difícil leitura e bastante expostos após a parte mais positiva. O carioca que guiava logo abaixo nos deu um beta vago da necessidades de pés altos. O Breno e eu ficávamos na angustia da expectativa enquanto nosso parceiro passava maus bocados tentando decifrar e criar coragem para vencer as bacias abaoladas adrenantes, onde estava em jogo uma queda ruim ao longo de um rampão de granito.
Após algumas titubeadas o Leo conseguiu vencer o primeiro crux, costurou uma proteção e logo uns metros a frente se deparou com outro crux até pior que o primeiro... haja pisico pra guiar esta enfiada a vista.. o tempo foi passando e o carioca chegou próximo ao nosso guia, passando assim mais alguns betas. Isso, somado ao fato de não haver outra saída, parece ter aumentado a moral ,pois, logo logo vimos o Leo mandando uns pés altos vencendo os lances técnicos até finalmente chegar aos grampos da 2ª parada.
Breno trabalhando o crux de bacias abaoladas e pés altos. |
O Breno pegou a ponta da corda na 3ª parte, a qual mostrou ser a mais tranquila de toda a via: escalada constante com bastante agarras e algumas proteções móveis no início.
Breno guiando a 3ª enfiada enquando o guia carioca trabalhava o perrengue da 4ª |
A 4ª enfiada era minha vez de guiar novamente. A cordada carioca, a qual nos ultrapassou após P2, aparentava dificuldades nessa passagem. Isto me deixou bastante apreensivo, pois, nos lances difíceis de P1 e P2 eles haviam passado batido. Quando o guia fez a parada eu perguntei o que ele tinha a dizer sobre os lances. A resposta foi uma resmungada junto com: "é só vir com atenção"... uma clássica resposta evasiva, de toda forma, não havia muito a fazer por mim.
Comecei essa guiada bastante tenso, mas logo a parede ficou tão vertical e os lances tão delicados, que não me restou outra alternativa que ficar o mais calmo e frio possível. Foi uma escalada incrível, fui ganhando cada vez mais confiança a medida que vencia lances complicados. A escalada era bem variada, com oposições em lacas e proteções móveis; regletes minúsculos e até mesmo uma viradinha dum negativo leve após a última proteção antes da parada. Quando fiz a ancoragem abri um sorriso enorme e o sangue enfim correu leve. Infelizmente, não há registros fotográficos sobre esse momento.
Ao fim da 4ª parte, a cordada dos cariocas alegou cansaço e rapelaram rumo a base. A partir daí, seguimos somente os 3 rumo ao cume.
Breno iniciando a fenda da 5ª enfiada. |
Logo após meu perrengue, foi a vez do Breno pegar uma enfiada complicada, fechando assim a cota de uma roubada por cabeça. A 5ª enfiada foi a mais interessante de nossa escalada. Praticamente toda em móvel numa fenda que se abria pela torre de pedra subindo rumo ao cume, fugindo do diedro de mato que se abria à esquerda. Este esticão era bastante vertical, com uma travessia inicial delicada seguido por lances variados em cristais e fendas os quais renderam muitas emoções mesmo indo de participante.
Leo (de laranja) e eu (de vermelho) terminando de vencer a fenda vertical da 5ª enfiada. Esta foto foi tirada por um grupo que escalava uma via próxima. |
Chegamos na parada e o Breno estava em êxtase pela experiência de guiar esta parte tão incrível. O Leo pegou a última enfiada. Guiou por um diedro duns 10 metros e depois saiu pela tangente, seguindo pelo mar de agarras que nos levou finalmente até a última parada. Após esta parada, ainda havia uma escaladinha de uns 10 metros para finalmente pisar no famigerado cume. A alegria foi intensa ao alcançar o topo após passar tanto cagaço ao longo do dia. Foram várias emoções inesquecíveis nesse dia perfeito de climb! Valeu Branão e Leo!!
Cume!!! |
Fim da trilha.. fim da aventura... Valeu Leo, Valeu Breno!! |
O rapel foi tranquilo ao longo das 6 enfiadas. Depois seguimos em disparada rumo ao carro e ao abrigo, para enfim tomar uma cerva gelada contando e ouvindo os perrengues e aventuras de todos.
Autor do Relato: Gilberto MArtins Assunção Valadares da Silva